“A maioria dos adolescentes ouvia dos parentes: ‘E os namoradinhos?’, eu ouvia ‘Vai voltar a andar quando?”, diz modelo

A modelo e criadora de conteúdo Zannandra Fernandez precisou de anos para entender sua sexualidade e para externalizá-la para outras pessoas. “Fui ensinada a não explorar esse lado em mim. Enquanto a maioria dos adolescentes ouvia dos parentes: ‘E os namoradinhos?’, eu ouvia ‘E o tratamento? Como está a reabilitação? Vai voltar a andar quando?”, conta.
Zannandra é cadeirante e utiliza as redes sociais para falar sobre sua experiência com a deficiência física. “Um dos efeitos do capacitismo é o nosso apagamento e uma das formas é apagando nossas características, nossa identidade, nossos traços de personalidade, tudo. Nos ‘reduzem’ a nossa deficiência. Se você não for uma pessoa branca, cisgênero, hétero e com um corpo padrão, com toda certeza, falar sobre sexualidade é um tabu e, para pessoas com deficiência, não é diferente”, explica.
De acordo com a psicóloga Bruna Belo, existem vários mitos sobre a sexualidade da pessoa com deficiência física. Dois deles referem-se à assexualidade e à hipersexualidade. O primeiro supõe que são pessoas que não desenvolvem sua sexualidade e que são infantis e ingênuas. Já o segundo diz respeito a uma sexualidade exacerbada, precoce, ligada à perversão. “Há outros mitos que irão estereotipar essa sexualidade: de que são pessoas pouco atraentes, indesejáveis, de que não irão conseguir usufruir do sexo da mesma forma, que não terão orgasmo ou terão uma série de disfunções sexuais ou que a reprodução sempre será problemática”, completa.
Outro ponto que contribui com esses estereótipos são as expectativas sociais em relação à sexualidade das pessoas, o ideal do sexo perfeito, da performance e a questão do amor romântico. “A sexualidade é também cultural e tudo isso é internalizado. Cada pessoa irá vivenciar sua sexualidade de uma forma e não é obrigação de ninguém corresponder às expectativas sociais”, diz.
Zannandra se recorda de experiências muito ruins devido à insegurança com sua aparência e com o despreparo de parceiros que não sabiam lidar com um corpo diferente do padrão. A falta de representatividade também influenciou negativamente na sua autoestima. “Nunca me via, então como eu iria me considerar alguém que merecesse ser amada? Felizmente, hoje em dia estou conseguindo lidar melhor com isso, mas é muito difícil desconstruir tudo a um ponto em que eu me sinta segura para ter uma relação que sei que mereço”, desabafa.
Bruna salienta que a deficiência física não irá impedir que uma pessoa viva e expresse prazerosamente a sexualidade. Isso é apontado também pela pesquisadora Alana Nagai que realizou uma dissertação de mestrado sobre as representações sociais da sexualidade de pessoas com deficiência. “As pessoas com deficiência física retratam a sexualidade a partir de suas experiências: a relação sexual, o desejo de construção familiar, os padrões estéticos, o preconceito. Por outro lado, as pessoas sem deficiência possuem percepções da deficiência associada à limitação, à ideia da pessoa com deficiência considerada herói, aos mitos sobre o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos e da parentalidade”, aponta.
Para Alana, é necessário aumentar o número de pesquisas para desconstruir ideias distorcidas sobre o tema, além da educação continuada dos profissionais em formação para que essas informações cheguem às pessoas. Bruna pontua que a representatividade em diferentes espaços e a acessibilidade em locais como motéis, por exemplo, também são essenciais para mudar esse cenário.